Redução da jornada dos trabalhadores deve ser analisada no Senado neste semestre

Atualizado em 25/02/2014 – 20h14

Cintia Sasse (Jornal do Senado)


Fábrica da Volks em Taubaté (SP): senadores pregam compensação a empresas para reduzir jornada

Em algum momento, o Congresso brasileiro vai ter que enfrentar com afinco o debate sobre a redução da atual jornada de trabalho de 44 horas semanais. Bandeira da maioria das centrais sindicais de trabalhadores, a medida alinharia o país a uma tendência mundial. Até economias famosas pelo custo barato da mão de obra, como China e Indonésia, adotaram as 40 horas recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) na convenção de 1935.

O assunto está posto na pauta do Senado desde 2005, quando Paulo Paim (PT-RS) sugeriu a criação do Pacto Empresarial do Pleno Emprego (Pepe), apoiado em experiência bem-sucedida de uma empresa no Paraná. A proposta deve avançar neste semestre na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O relatório, de Walter Pinheiro (PT-BA), é favorável ao projeto (PLS 254/2005), porém com mudanças. O senador ­substituiu as 36 horas propostas ­por Paim pela jornada de 40 horas.

Será um debate complicado, especialmente em uma conjuntura econômica adversa, com inflação, juros e câmbio em alta, investimentos privados em queda e necessidade de ajuste nos gastos públicos, entre outras dificuldades que se acentuam em ano de eleições e Copa do Mundo. Pinheiro disse ao Jornal do Senado que vai manter o texto do parecer e reconhece que irá enfrentar a resistência de boa parte dos senadores.

No entanto, o país não terá como escapar da discussão de políticas que enfrentem o desemprego crescente. Pelas estimativas da OIT, serão mais de 215 milhões de pessoas desempregadas até 2018 no mundo, com um acréscimo de mais de 13 milhões em relação a 2013. O pior é que, como ocorre no Brasil, a taxa de desemprego entre jovens continua subindo, engrossando a informalidade e agravando os problemas sociais.

O relatório Tendências Mundiais de Emprego 2014, da OIT, calcula que cerca de 74,5 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. Isso representa taxa de 13,1%, praticamente o dobro da média do desemprego mundial. As oportunidades são piores no Oriente Médio e norte da África. Essas regiões continuam acusando o desemprego mais elevado do mundo e provocando mais migrações, principalmente para a Europa. Outro dado alarmante é que o tempo que as pessoas permanecem desempregadas aumentou. Com a crise econômica europeia, os desempregados em países como Espanha e Grécia demoram agora o dobro do tempo para arrumar colocação. Cerca de 23 milhões de pessoas abandonaram o mercado no ano passado. Os especialistas mostram que não há uma relação direta entre a redução da jornada e a criação de novos postos.

No Brasil, com os pesados encargos trabalhistas, os empresários preferem recorrer a horas extras que contratar novos empregados, segundo o consultor do Senado Marcello Cassiano da Silva. Esse comportamento indica, na avaliação dele, que é necessário rediscutir os encargos da atividade produtiva, como os trabalhistas e os tributários.

França

Na França, país que adotou há 13 anos a jornada de 35 horas, as cinco confederações sindicais de trabalhadores concordam que o ordenamento jurídico deve estabelecer patamar mínimo e uniforme de proteção social. E admitem, segundo especialistas, ser necessário processos de negociação que permitam adaptar os acordos às condições particulares dos diversos setores empresariais, aceitando inclusive arranjos mais individualizados.

O pacto proposto por Paim não é compulsório. A adesão das empresas é voluntária por um período de cinco anos. O prazo vale também para os contratos com carga horária reduzida. Isso funcionaria como um tempo de experiência para avaliar os resultados sobre a produtividade da empresa, que ao final poderá ou não retornar à antiga jornada.

No substitutivo, Pinheiro propõe compensações às empresas, como reduzir as alíquotas de contribuições ao Sistema S (como Sesi e Sesc), as contribuições para o salário-educação e aquelas para financiar o seguro de acidente do trabalho.

Experiência de empresa do Paraná

A faxineira confidenciou ao patrão que havia contratado uma empregada doméstica, a quem pagava com parte dos R$ 700 em bônus obtido por atingir metas na academia de ginástica custeada pela empresa. É mais fácil imaginar essa história em empresas norte-americanas, europeias ou nórdicas. Mas aconteceu no Paraná.

— A faxineira ganha R$ 1.200 por mês, mas pode obter o bônus se alcançar os resultados do programa, com orientações na área nutricional, palestras e controle de peso. Ela gerou emprego e veio me contar satisfeita — disse o empresário Francisco Simeão, considerado o primeiro a adotar jornada reduzida de 36 horas semanais no setor industrial.

A experiência inspirou o projeto de Paim, que reduz das atuais 44 horas para 36 horas. Quando a BS Colway Pneus encurtou a jornada, em 2000, o que poderia aparentar riscos mostrou-se ótimo investimento. A produtividade aumentou tanto, lembra Simeão, que os fornecedores italianos do maquinário vieram ao Brasil para conferir os números. Os empregos na BS Colway quadruplicaram em cinco anos, chegando a 1.200. Os salários de 8 horas diárias eram pagos para turno de 6 horas. Os funcionários foram estimulados a fazer condicionamento físico, estudar, trazer filhos e esposa para revisão dentária periódica, entre outros itens do pacote de qualidade de vida.

— Tudo isso não é gasto, é investimento — reforça Simeão, que é primeiro-suplente do senador Roberto Requião (PMDB-PR).

A iniciativa despertou tanta atenção que o professor Carlos Ilton Cleto dedicou à BS Colway parte de tese de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina. Cleto registra que é difícil isolar o efeito da jornada reduzida dos outros benefícios. O incremento na produtividade chegou a 37%, suficiente para pagar os custos, dar descontos a clientes e aumentar os lucros.

Embora a BS Colway tenha encerrado as atividades após queda de braço com as grandes indústrias de pneus e com o Ministério do Meio Ambiente, a jornada reduzida e o programa de qualidade de vida acabaram seguidos pela importadora de pneus administrada pelos filhos do empresário. Só que agora não são mais de mil empregos.

— Infelizmente a importadora só emprega 120 funcionários — lamenta Simeão, que aos 66 anos preside a Associação Brasileira da Indústria de Pneus ­Remoldados (Abip).

 

Agência Senado